Por: Carlos Nivagara
Formação de
professores na era colonial em Moçambique[1]
Quando
nos anos quarenta, a Igreja Católica tomou conta da educação dos africanos não
assimilados, a formação dos professores para estas escolas ficou também a cargo
da Igreja. A Escola normal do Governo, em Moçambique, fechada logo que foi
celebrado o Acordo Missionário em 1940, veio reabrir em 1945, mas como uma instituição
da Igreja do que do Estado. Ate essa altura, os candidatos africanos ao
professorado apenas necessitavam de completar o 4⁰ grau para serem admitidos à
de formação de professores, todavia, a isto acrescia a obrigação de serem
membros da Igreja Católica. Os candidatos a professores de escolas rudimentares
africanas provinham largamente dos africanos não assimilados.
Em
1960 havia em Moçambique cerca de 4 escolas de formação de professores
dirigidas pela Igreja e subsidiadas pelo Governo, o total de matrículas era de
341 estudantes masculinos, e o número de graduados de cerca de 65.
O
pessoal docente das escolas primárias e secundárias dirigidas pelo Governo,
destinadas à população «Civilizada» de Moçambique e outras colónias
portuguesas, era proveniente de Portugal metropolitano. Era, contudo, possível
a quem tenha completado o 1⁰ ciclo de Liceu a obtenção dum diploma de ensino
que o qualificasse para ensinar nos graus mais elementares das escolas
particulares.
Resultados do sistema
Se
o sistema for julgado quanto à sua finalidade de educar o africano na civilização
portuguesa, deve reconhecer-se que falhou. Muito poucos africanos recebiam
qualquer espécie de ensino, e resultado era que em Moçambique a população
africana era entre 95 e 98 % analfabeta. A maior parte da educação recebida por
essa população é dada pela Igreja. Em 1955 havia 2041 escolas rudimentares, com
um total de 242 412 alunos. Destas escolas, 2000 eram dirigidas por
missões católicas, 27 por missões protestantes, 12 pelo Governo, e 2 eram
escolas particulares. Em 1959 havia 392 796 crianças recebendo ensino de adaptação,
mas destas só 6982 conseguiram entrar na escola primária.
Embora
perto de 98% da população de Moçambique sejam compostas de africanos negros, só
uma pequena parte das crianças que frequentavam as escolas primárias eram
africanas, sendo número de africanos na escola secundária insignificante. Em
1963 havia 311 escolas primárias, com 25 742 alunos, mas desses só um
quinto eram africanos. No mesmo ano, havia só 3 escolas secundárias do Estado
que podiam dar o diploma final. (Hà 3 escolas secundarias elementares). Estas 3
escolas oficiais estavam a preparar 2250 alunos, enquanto as 3 principais
escolas secundárias particulares tinham 800 alunos. Da totalidade, só 6% eram
africanos negros. Em 1960, na maior escola secundária oficial de Moçambique
(Liceu Salazar, em Lourenço Marques) havia só 30 estudantes africanos, num
total de 1000 alunos. A Igreja Católica Romana, que tinha o privilégio da
responsabilidade de educar o povo nativo, não tinha uma única escola secundária
para africanos. Algumas das missões protestantes, às quais poucas facilidades
eram concedidas para trabalhar em Moçambique, subsidiavam e administravam lares
para alguns dos raros estudantes africanos que frequentavam escolas secundárias
na cidade de Lourenço Marques. Havia também bastantes escolas secundárias
particulares e muitas escolas técnicas, mas com pequeno número de estudantes
africanos, em virtude do preço das propinas. Uma moça que conseguiu entrar numa
escola técnica secundária descreve a sua experiencias a baixo׃
Josina
Muthemba (Gaza)[2]
«Meus pais fizeram grandes sacrifícios para me mandarem
para a escola. Andei na escola comercial durante 5 anos. Eles tinham que poupar
na alimentação e no vestuário. Na escola primária havia somente cerca de 20 de
nós, africanos, para cerca de 100 portugueses. Na escola comercial havia cerca
de 50 africanos para várias centenas de portugueses.»
A situação de Josina era muito mais feliz que a da
maioria dos africanos, pois o pai ganhava excepcionalmente bem para um africano
(3000 escudos), e, no entanto, mesmo assim, tinham o dinheiro à justa para as
propinas. Era evidente que o Estado não animava aqueles que não tinham posses׃
«Dos 50 africanos na escola comercial, nem 20 tinham bolsas,
enquanto pelo menos metade dos portugueses as tinham, embora as suas famílias
tivessem mais posses do que as nossas.»
Por outro lado, o Governo fundou também Estudos Gerais Universitários
em Lourenço Marques, mas, segundo informações concretas, dos 280 estudantes
matriculados em 1962, os africanos não chegavam a uma dúzia. Há alguns
africanos que frequentavam a Universidade em Portugal, e alguns tirando cursos
profissionais de grau mais elevado em escolas técnicas em Portugal. Mas o seu
número era insignificante comparado com o de Moçambicanos brancos e asiáticos
nos mesmos cursos. Todos os anos, estudantes portugueses atravessavam as
fronteiras para a África do Sul e a Rodésia a fim de fazerem os seus estudos.
Isso não era permitido aos africanos, embora alguns o conseguissem e
matriculasse clandestinamente como estudantes nativos locais.[3]
Desde
1963 havia considerável expansão no numero de escolas, o que se deveu em parte
à politica colonatos e ou consequente aumento da população branca, mas também à
guerra e ao esforço do Governo Português para conseguir algum apoio africano. O
Boletim Geral do Ultramar da os
seguintes números para 1965-1966׃
Nível |
Escolas |
Professores |
Alunos |
Primária |
1305 |
2912 |
92002 |
Secundaria académica |
46 |
530 |
9028 |
Secundaria técnica |
41 |
734 |
12273 |
Fonte׃
In Lutar por
Moçambique p׃ 67
Estes
valores abrangem grande número de instituições particulares e religiosas não
incluídas nos números de 1963, os números de escolas secundárias abrangem
também formação de professores, cursos de enfermagem, etc. Os totais de
educandos em escolas secundárias do Estado aumentaram moderadamente nos últimos
4 anos. Infelizmente não há informações quanto à proporção de estudantes
africanos nos vários níveis, mas estudantes fugidos de Moçambique relatam que
as proporções foram pouco afectadas pela expansão, excepto que agora há
consideravelmente maior número de africanos nos institutos técnicos. Para a
criança africana das zonas rurais, são ainda longínquas as possibilidades de
chegar sequer à escola primária.
Alem
da mera falta de escolas e lugares, havia vários factores que impediam mais
crianças africanas de chegar à escola. Havia o limite máximo de idade, conforme
já foi dito. E havia a falta de meios pecuários. Mesmo nas escolas rudimentares
eram pagas propinas, e, embora estas sejam inferiores a 500$00 por ano, isso
era mais do que um camponês ou um trabalhador de plantação pode pagar, visto
que o seu salário anual, descontando impostos, não atingia1470$00, e podia
mesmo ser inferior a 588$00. Mesmo um homem pouco mais qualificado, um
motorista ou empregado de carteira, não ganhava muito mais do que 2940$00 por
ano, deduzindo impostos.
Mais
acima na escala académica, as escolas tornavam-se progressivamente mais caras,
enquanto as despesas suplementares também aumentavam. No ensino rudimentar, os
pais tem de comprar apenas roupas, mas mais tarde teriam de comprar material
escolar, pagar transporte e possivelmente alojamento. Ao nível de instrução
secundária, transporte e alojamento punham problemas sérios, a maioria dos
africanos viviam nas zonas rurais, enquanto todas as escolas secundárias
estavam situadas nas cidades (das 3 escolas secundarias superiores, duas eram
de Lourenço Marques e uma na Beira) e não previam alojamento para os filhos de
famílias pobres. Finalmente, a qualidade de educação elementar dada aos
africanos, como já foi dito, não era suficiente, nem dava os cursos adequados
para o grau de ensino seguinte.
As
autoridades mostravam pouco interesse em melhorar estas condições. Em 1950, só
1,3% do orçamento total é que era atribuída à educação, e em 1962 este numero
tinha aumentado só para 4%. Em 1961, a soma total atribuída às missões para educação
de africanos era de 30.870.000$00, enquanto a população africana era colectada
em 176.400.000$00 anuais. Em Moçambique 1961, a quando da visita do autor da
obra Lutar por Moçambique, falou com 2 altos funcionários dos quadros do ensino׃
o director da Educação de Moçambique e o Reitor do Liceu Salazar. Segundo ele,
quando perguntou sobre os fortes obstáculos criados aos africanos e sobre os
planos do Governo no sentido de expandir a educação africana para corrigir essa
situação. O director da Educação disse-lhe que nada se podia fazer ate que
houvesse mais verbas para desenvolver todo sistema. O reitor do Liceu Salazar
fugiu a primeira pergunta sobre o numero de estudantes africanos nas escolas
secundarias em Lourenço Marques, dizendo simplesmente que eram mais numerosos
do que quando ele tinha tomado conta do lugar. Em resposta a outras perguntas
sobre o seu aproveitamento por exemplo׃ este disse que os estudantes negros se
aproximavam dos brancos em ciências físicas e matemáticas, mas que nas artes,
especialmente em língua e literatura portuguesa, eram mais fracos. Também
sugeriu que a pobreza da língua fosse a razão dos seus insucessos noutras
matérias de letras, porque, embora os examinadores não soubessem de que raça
era o estudante, podiam sempre dizer, pele insuficiência da gramática
portuguesa, quais eram os alunos africanos. Mais tarde, em conversa com um
padre católico sobre o numero de estudantes negros que frequentavam o Liceu de
Lourenço Marques. Ele começou por apontar com orgulho que na África Portuguesa
os estudantes não são identificados pela raça, e dai passou a calcular que
seriam uns vinte. Quando o desapontamento do autor, este acrescentou
rapidamente que havia mais estudantes africanos na outra escola do Governo no
Alto da Cidade. Contudo, quando o autor visitou a escola, descobriu que a proporção
era ainda grandemente a favor dos brancos e em conversa com alguns estudantes
africanos, compreendeu que não haviam mais do que 40 estudantes africanos, num
total de 800 alunos.
[1] In Lutar por Moçambique
[2] In Lutar por Moçambique p׃66
[3] Foi assim que o autor da obra Lutar por Moçambique conseguiu fazer a
sua instrução secundária e parte da superior na África do Sul, até que o Governo Português e Sul-Africano o descobriram e o expulsaram da
África do Sul e da Universidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário