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domingo, 8 de outubro de 2023

Formação de professores na era colonial em Moçambique

 Por: Carlos Nivagara

Formação de professores na era colonial em Moçambique[1]

Quando nos anos quarenta, a Igreja Católica tomou conta da educação dos africanos não assimilados, a formação dos professores para estas escolas ficou também a cargo da Igreja. A Escola normal do Governo, em Moçambique, fechada logo que foi celebrado o Acordo Missionário em 1940, veio reabrir em 1945, mas como uma instituição da Igreja do que do Estado. Ate essa altura, os candidatos africanos ao professorado apenas necessitavam de completar o 4⁰ grau para serem admitidos à de formação de professores, todavia, a isto acrescia a obrigação de serem membros da Igreja Católica. Os candidatos a professores de escolas rudimentares africanas provinham largamente dos africanos não assimilados.

Em 1960 havia em Moçambique cerca de 4 escolas de formação de professores dirigidas pela Igreja e subsidiadas pelo Governo, o total de matrículas era de 341 estudantes masculinos, e o número de graduados de cerca de 65.

O pessoal docente das escolas primárias e secundárias dirigidas pelo Governo, destinadas à população «Civilizada» de Moçambique e outras colónias portuguesas, era proveniente de Portugal metropolitano. Era, contudo, possível a quem tenha completado o 1⁰ ciclo de Liceu a obtenção dum diploma de ensino que o qualificasse para ensinar nos graus mais elementares das escolas particulares.

Resultados do sistema

Se o sistema for julgado quanto à sua finalidade de educar o africano na civilização portuguesa, deve reconhecer-se que falhou. Muito poucos africanos recebiam qualquer espécie de ensino, e resultado era que em Moçambique a população africana era entre 95 e 98 % analfabeta. A maior parte da educação recebida por essa população é dada pela Igreja. Em 1955 havia 2041 escolas rudimentares, com um total de 242 412 alunos. Destas escolas, 2000 eram dirigidas por missões católicas, 27 por missões protestantes, 12 pelo Governo, e 2 eram escolas particulares. Em 1959 havia 392 796 crianças recebendo ensino de adaptação, mas destas só 6982 conseguiram entrar na escola primária.

Embora perto de 98% da população de Moçambique sejam compostas de africanos negros, só uma pequena parte das crianças que frequentavam as escolas primárias eram africanas, sendo número de africanos na escola secundária insignificante. Em 1963 havia 311 escolas primárias, com 25 742 alunos, mas desses só um quinto eram africanos. No mesmo ano, havia só 3 escolas secundárias do Estado que podiam dar o diploma final. (Hà 3 escolas secundarias elementares). Estas 3 escolas oficiais estavam a preparar 2250 alunos, enquanto as 3 principais escolas secundárias particulares tinham 800 alunos. Da totalidade, só 6% eram africanos negros. Em 1960, na maior escola secundária oficial de Moçambique (Liceu Salazar, em Lourenço Marques) havia só 30 estudantes africanos, num total de 1000 alunos. A Igreja Católica Romana, que tinha o privilégio da responsabilidade de educar o povo nativo, não tinha uma única escola secundária para africanos. Algumas das missões protestantes, às quais poucas facilidades eram concedidas para trabalhar em Moçambique, subsidiavam e administravam lares para alguns dos raros estudantes africanos que frequentavam escolas secundárias na cidade de Lourenço Marques. Havia também bastantes escolas secundárias particulares e muitas escolas técnicas, mas com pequeno número de estudantes africanos, em virtude do preço das propinas. Uma moça que conseguiu entrar numa escola técnica secundária descreve a sua experiencias a baixo׃

 Josina Muthemba   (Gaza)[2]

«Meus pais fizeram grandes sacrifícios para me mandarem para a escola. Andei na escola comercial durante 5 anos. Eles tinham que poupar na alimentação e no vestuário. Na escola primária havia somente cerca de 20 de nós, africanos, para cerca de 100 portugueses. Na escola comercial havia cerca de 50 africanos para várias centenas de portugueses.»

A situação de Josina era muito mais feliz que a da maioria dos africanos, pois o pai ganhava excepcionalmente bem para um africano (3000 escudos), e, no entanto, mesmo assim, tinham o dinheiro à justa para as propinas. Era evidente que o Estado não animava aqueles que não tinham posses׃

«Dos 50 africanos na escola comercial, nem 20 tinham bolsas, enquanto pelo menos metade dos portugueses as tinham, embora as suas famílias tivessem mais posses do que as nossas.»

Por outro lado, o Governo fundou também Estudos Gerais Universitários em Lourenço Marques, mas, segundo informações concretas, dos 280 estudantes matriculados em 1962, os africanos não chegavam a uma dúzia. Há alguns africanos que frequentavam a Universidade em Portugal, e alguns tirando cursos profissionais de grau mais elevado em escolas técnicas em Portugal. Mas o seu número era insignificante comparado com o de Moçambicanos brancos e asiáticos nos mesmos cursos. Todos os anos, estudantes portugueses atravessavam as fronteiras para a África do Sul e a Rodésia a fim de fazerem os seus estudos. Isso não era permitido aos africanos, embora alguns o conseguissem e matriculasse clandestinamente como estudantes nativos locais.[3]

       Desde 1963 havia considerável expansão no numero de escolas, o que se deveu em parte à politica colonatos e ou consequente aumento da população branca, mas também à guerra e ao esforço do Governo Português para conseguir algum apoio africano. O Boletim Geral do Ultramar da os seguintes números para 1965-1966׃

Nível

Escolas

Professores

Alunos

Primária

1305

2912

92002

Secundaria académica

46

530

9028

Secundaria técnica

41

734

12273

Fonte׃ In Lutar por Moçambique p׃ 67

Estes valores abrangem grande número de instituições particulares e religiosas não incluídas nos números de 1963, os números de escolas secundárias abrangem também formação de professores, cursos de enfermagem, etc. Os totais de educandos em escolas secundárias do Estado aumentaram moderadamente nos últimos 4 anos. Infelizmente não há informações quanto à proporção de estudantes africanos nos vários níveis, mas estudantes fugidos de Moçambique relatam que as proporções foram pouco afectadas pela expansão, excepto que agora há consideravelmente maior número de africanos nos institutos técnicos. Para a criança africana das zonas rurais, são ainda longínquas as possibilidades de chegar sequer à escola primária.

Alem da mera falta de escolas e lugares, havia vários factores que impediam mais crianças africanas de chegar à escola. Havia o limite máximo de idade, conforme já foi dito. E havia a falta de meios pecuários. Mesmo nas escolas rudimentares eram pagas propinas, e, embora estas sejam inferiores a 500$00 por ano, isso era mais do que um camponês ou um trabalhador de plantação pode pagar, visto que o seu salário anual, descontando impostos, não atingia1470$00, e podia mesmo ser inferior a 588$00. Mesmo um homem pouco mais qualificado, um motorista ou empregado de carteira, não ganhava muito mais do que 2940$00 por ano, deduzindo impostos.

Mais acima na escala académica, as escolas tornavam-se progressivamente mais caras, enquanto as despesas suplementares também aumentavam. No ensino rudimentar, os pais tem de comprar apenas roupas, mas mais tarde teriam de comprar material escolar, pagar transporte e possivelmente alojamento. Ao nível de instrução secundária, transporte e alojamento punham problemas sérios, a maioria dos africanos viviam nas zonas rurais, enquanto todas as escolas secundárias estavam situadas nas cidades (das 3 escolas secundarias superiores, duas eram de Lourenço Marques e uma na Beira) e não previam alojamento para os filhos de famílias pobres. Finalmente, a qualidade de educação elementar dada aos africanos, como já foi dito, não era suficiente, nem dava os cursos adequados para o grau de ensino seguinte.

As autoridades mostravam pouco interesse em melhorar estas condições. Em 1950, só 1,3% do orçamento total é que era atribuída à educação, e em 1962 este numero tinha aumentado só para 4%. Em 1961, a soma total atribuída às missões para educação de africanos era de 30.870.000$00, enquanto a população africana era colectada em 176.400.000$00 anuais. Em Moçambique 1961, a quando da visita do autor da obra Lutar por Moçambique, falou com 2 altos funcionários dos quadros do ensino׃ o director da Educação de Moçambique e o Reitor do Liceu Salazar. Segundo ele, quando perguntou sobre os fortes obstáculos criados aos africanos e sobre os planos do Governo no sentido de expandir a educação africana para corrigir essa situação. O director da Educação disse-lhe que nada se podia fazer ate que houvesse mais verbas para desenvolver todo sistema. O reitor do Liceu Salazar fugiu a primeira pergunta sobre o numero de estudantes africanos nas escolas secundarias em Lourenço Marques, dizendo simplesmente que eram mais numerosos do que quando ele tinha tomado conta do lugar. Em resposta a outras perguntas sobre o seu aproveitamento por exemplo׃ este disse que os estudantes negros se aproximavam dos brancos em ciências físicas e matemáticas, mas que nas artes, especialmente em língua e literatura portuguesa, eram mais fracos. Também sugeriu que a pobreza da língua fosse a razão dos seus insucessos noutras matérias de letras, porque, embora os examinadores não soubessem de que raça era o estudante, podiam sempre dizer, pele insuficiência da gramática portuguesa, quais eram os alunos africanos. Mais tarde, em conversa com um padre católico sobre o numero de estudantes negros que frequentavam o Liceu de Lourenço Marques. Ele começou por apontar com orgulho que na África Portuguesa os estudantes não são identificados pela raça, e dai passou a calcular que seriam uns vinte. Quando o desapontamento do autor, este acrescentou rapidamente que havia mais estudantes africanos na outra escola do Governo no Alto da Cidade. Contudo, quando o autor visitou a escola, descobriu que a proporção era ainda grandemente a favor dos brancos e em conversa com alguns estudantes africanos, compreendeu que não haviam mais do que 40 estudantes africanos, num total de 800 alunos.

 

 



[1] In Lutar por Moçambique

[2] In Lutar por Moçambique p׃66

[3] Foi assim que o autor da obra Lutar por Moçambique conseguiu fazer a sua instrução secundária e parte da superior na África do Sul, até que o Governo Português e Sul-Africano o descobriram e o expulsaram da África do Sul e da Universidade.

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