Por: Carlos Nivagara
O papel da Igreja na era colonial em Moçambique
Estando
a educação do africano quase inteiramente nas mãos da Igreja, vale a pena olhar
mais perto para a posição geral da Igreja, suas actividades e atitudes.
Enquanto
o acto colonial proclama liberdade de consciência e de varias religiões, ao
mesmo tempo e de maneira contraditória providencia uma protecção especial e
assistência à Igreja Católica e ao seu programa missionário. Renegando uma
atitude anterior, mantida durante as duas primeiras décadas que se seguiram à implantação
da Republica, o Governo Português reconheceu os direitos e as funções especiais
da Igreja, que eram «cristianizar e educar para nacionalizar e civilizar as
populações nativas» em Moçambique esta politica era regida por adequadas disposições
constitucionais, começando pelo Acordo Missionário de 1940 que reproduziu em
pormenor os princípios contidos na Concordata de 7 de Maio de 1940 entre
Portugal e a Santa Sé e o Estatuto Missionário de 1941. Por estes acordos, o
Governo Português compromete-se a subsidiar os programas missionários da
Igreja, limitando as actividades dos missionários estrangeiros não católicos, e
desanimando o influxo de missionários católicos estrangeiros.
Na
altura, uma população Moçambicana avaliada em 7 milhões de habitantes, o número
dos que se dizia católico era de cerca de 800 000. Estes eram servidos por
cerca de 100 missões e Igreja paroquiais, guiados por padres seculares e
religiosos de várias ordens, incluindo franciscanos, dominicanos, beneditinos,
lazaristas e padres da congregação do Espírito Santo. Em 1959 havia em
Moçambique 240 padres e religiosos. E, destes, só três eram africanos. Algumas
das mais importantes actividades da Igreja Católica era a «fundação e direcção
de escolas para crianças europeia e africanas, escolas elementares, secundárias
e profissionais e seminários…assim como enfermarias e hospitais». Toda a
responsabilidade de educar o povo africano foi entregue à Igreja Católica,
apesar do facto de a esmagadora maioria dos africanos não serem cristãos. E a
isto acresce o encargo de preparar aqueles africanos que pudessem tornar-se
assimilados à cultura portuguesa. Os Portugueses acreditavam que havia maior
probabilidade de um africano se tornar um português completo se ele fosse católico.
Esta convicção, tantas vezes foi expressa por funcionários do Governo, e foi
comprovada por uma declaração feita em 1960 pelo Dr. Adriano Moreira,
ex-subsecretario da Administração Ultramarina. Embora afirmando que a lealdade política
não dependia de qualificações cristas, o Dr.Moreira declarou que a actividade missionaria católica estava inseparavelmente
ligada ao patriotismo, e que a formação de qualidades cristas levava à formação
de qualidade portuguesa.
Foi
essa posição que levou à separação da educação das crianças africanas da das
europeias, separação tanto mais estranha quanto é certo que em quaisquer outras
partes do mundo a Igreja Católica insistia em educar os filhos dos seus
membros. Todavia, em Moçambique os filhos dos Europeus, 95% dos quais eram
católicos, entregues a escolas secundárias dirigidas pelo Estado. A intenção
desta política era obviamente doutrinar os filhos dos nativos moçambicanos
negros, assegurando assim ao Governo uma população dócil e leal a Portugal.
Esta
atitude do Governo Portugues estava tão enraizado que dominava toda a politica,
mesmo em decisões como a entrada de missionários cristãos estrangeiros,
católicos ou protestantes, no país. Desde o século XVII, os missionários
estrangeiros eram suspeitos de «desnacionalizarem os nativos» e de girem como
guardas avançadas de governos estrangeiros. Quando estes missionários eram
protestantes, aumentavam o medo e ressentimentos. Consequentemente, durante
muitos anos as missões protestantes em Moçambique foram manietadas e muitas
vezes obstruídas por uma poderosa combinação do clero católico português com a
administração colonial. De vez em quando eram feitas declarações públicas, por
altos funcionários do governo colonial, atacando as missões protestantes,
acusando-as de fomentarem sentimentos anti-portugueses entre a população
africana. Deste facto, os missionários protestantes foram atacados como
responsáveis pelo crescimento do nacionalismo tanto em Angola como em Moçambique.
Na
realidade, a liderança dos movimentos nacionalistas nos dois países era de
religiões várias. Na nossa Frente de Libertação de Moçambique, muitos dos
membros do Comité Central, que dirigia todo o programa de luta, ou deviam ser
católicos, ou pertencerem a famílias católicas. O homem que primeiro comandou o
programa de acção militar, falecido Filipe Samuel Magaia, tinha sido baptizado
na Igreja Católica Romana, como o foi Samora Machel, chefe do Exercito de
Libertação na altura.
A
maioria dos estudantes ausentes, que haviam fugido das escolas portuguesas de
Moçambique ou de Portugal, era católica. Quando em Maio de 1961, mais de 100
estudantes universitários das colónias portuguesas de África fugiram das
universidades portuguesas para França, Suiça e Alemanha Ocidental, mais de
oitenta de entre eles se declararam católicos ou vindos de famílias católicas.
Não havia, portanto, provas que aprovassem as acusações portuguesas, que deviam
antes basear-se nas finalidades da Igreja, seus métodos e atitudes que pretendia
inculcar.
A
educação elementar que a Igreja dava aos africanos era de conteúdo altamente
religioso, com grande parte dos horários preenchida por aprendizagem de
conhecimento religiosos. Alem disto, o nível das matérias ensinadas (Português,
Leitura, Escrita e Aritmética) era muito baixo. Os cursos eram orientados pelo
Portugal. A Historia e Geografia ensinadas eram de Portugal. A África era
somente aflorada em ligação com o Império Português. Alem disso, grande parte
do tempo era passada em trabalho manual, em prejuízo de matérias académicas.
Embora os resultados destes trabalhos beneficiassem a missão, não eram aceites
como compensação das propinas. Tudo isto era ilustrado por este testemunho de
um ex-aluno da missão de Imbuho, Gabriel Maurício Nantimbo (província de Cabo
Delegado)׃
«Eu estudei na missão, mas o ensino era mau.
Primeiro, só nos ensinavam o que queriam que nós aprendêssemos o catecismo, não
queriam que ficássemos a saber outras coisas. Todas as manhas tínhamos que
trabalhar nos campos da missão. Diziam que os nossos pais não pagavam a nossa
comida ou o nosso material escolar. A missão também recebia dinheiro do
Governo, e as nossas famílias pagavam propinas. Depois de 1958 os nossos pais
até tinham que pagar as enxadas com as quais cavávamos a terra da missão.»
No
decorrer da educação, a Igreja naturalmente tentava instilar nos alunos
atitudes políticas e morais, e em relação com isto era importante examinar o
papel da Igreja para com o Estado Português. Em geral, a hierarquia católica
portuguesa apoiava o programa do regime de Lisboa na metrópole e ultramar. E o
Vaticano pouco fazia para alterar esta relação. Na realidade, na sua visita a
Portugal em 1967, o Papa fez uma dádiva de 4.410.000$00 ao Governo Português,
para «uso ultramarino», e nomeou o Cardeal de Lisboa Bispo das Forças Armadas
Portuguesas, com o posto de brigadeiro. A atitude do Governo para com a Igreja
estava claramente expressa numa declaração feita em 28 de Agosto de 1967 pelo
subsecretario da Administração Ultramarina׃«Quando
o Estado confiava às missões católicas parte dos trabalhadores de educação, o
Estado tinha a certeza de que as missões trabalhariam para o bem comum na
tarefa que lhes era confiada. E quando a Igreja aceitava essa tarefa, a Igreja
também ficava certa de que o Estado escolhia o melhor caminho para defender os
interesses que era seu dever defender. Disto conclui-se que, no auspicioso
trabalho que durante séculos tem levado a efeito em África, as actividades da
Igreja e do Estado continuariam em perfeita harmonia, conduzidas pelos mesmos ideais.»
Para
muitos católicos portugueses, ser católico e ser português eram uma e a mesma
coisa. E não se conhecia caso algum, durante os últimos quarenta anos, em que a
Igreja Católica de Portugal se sentisse obrigada a protestar oficialmente
contra os muitos actos de selvajaria do Governo Português contra o povo
africano. Pelo contrário, os mais altos dignitários da Igreja tenderam sempre a
dar a dar apoio à política e conduta do Governo. A única excepção a esta regra
foi a posição dum chefe da Igreja em Moçambique, o Bispo da Beira, D. Sebastião
Soares de Resende. Durante vários anos atreveu-se a questionar o Governo pelo
tratamento dado aos cultivadores de algodão negros. Nas suas cartas pastorais
mensais, publicadas num periódico da Igreja, criticou frequentemente a forma
como o Governo punha em prática parte da sua politica africana.
O
Bispo Resende era um dos liberais portugueses que acreditavam na possibilidade
de criar em África um novo Brasil, onde a cultura portuguesa pudesse florescer
mesmo depois da independência. A impressão que se tinha da sua posição, através
dalgumas das suas pastorais e dum jornal diário cuja direcção lhe era
atribuída, era de que ele só poderia conceber um Moçambique independente dentro
duma comunidade de interesses portugueses, culturais, religiosos e económicos.
A sua intenção era liberalizar a política, em lugar de a mudar radicalmente.
Mas quando, finalmente, algumas das suas opiniões começaram a aborrecer o
regime de Salazar, recebeu do Vaticano ordem para abster as publicar.
Subsequentemente, o Governo cortou alguns dos privilégios de que anteriormente
gozava, particularmente tirando-lhe as responsabilidades de director da única
escola secundária existente na Beira.
A
declaração mais clara, jamais feita por um dirigente da Igreja Portuguesa,
sobre a , Pereira, Bispo Auxiliar de Lourenço Marques. Se a sua posição era
considerada representativa da Igreja Católica Romana, então a Igreja era
inequivocamente contra a independência. Numa circular, lida em todas as Igrejas
Católicas e seminários de Moçambique, o Bispo acabou definindo 10 pontos cuja
finalidade era convencer o clero de que a independência do povo africano era só
um erro, mas também contrariava à vontade de Deus. A declaração dizia׃
1. A
independência não conta para o bem-estar do homem. Pode ser boa se existirem as
condições adequadas (as condições culturais ainda não existem em Moçambique)
2. Enquanto
estas condições não forem criadas, tomar parte em movimentos pró- independência
é agir contra a natureza.
3. Mesmo
se existissem estas condições, a Metrópole tem o direito de se opor à
independência se a liberdade e os direitos do homem forem respeitados e se (a
Metrópole) satisfazer o bem-estar e o progresso civil e religioso de todos.
4. Todos
os movimentos que empregam a força (terrorista) são contra a lei natural,
porque a independência, admitindo-se como boa, deve ser obtida por meios
pacíficos.
5. Quando
o movimento é terrorista, o clero tem obrigação, em consciência, não só de
abster-se de tomar parte nele, mas também de se opor a ele. Esta (obrigação)
deriva da natureza da sua missão (como dirigente religioso).
6. Mesmo
quando o movimento é pacífico, o clero deve abster-se, a fim de manter a
influência espiritual sobre todo o povo. O superior da Igreja pode impor essa
abstenção, ele impõe-na agora para Lourenço Marques.
7. O
povo nativo da África tem a obrigação de agradecer aos colonizadores todos os
benefícios que deles recebem.
8. Os
mais educados tem o dever de guiar aqueles que tem menos educação contra todas
as ilusões de independência.
9. Os
actuais movimentos de independência tem, quase todos, o sinal da revolta e do
comunismo, não tem razão alguma, não devemos, portanto, apoiar esses
movimentos. A doutrina da Santa Sé é bem clara quanto ao comunismo ateu e
revolucionário. A grande revolta é a do Evangelho.
10. A
palavra de ordem «África para os
Africanos» é uma monstruosidade filosófica e um desafio à civilização
crista, porque os acontecimentos de hoje dizem-nos que o comunismo e o
islamismo querem impor a sua civilização sobre os Africanos.
É
evidente que não era por acaso que a Igreja adoptasse este ponto de vista, e
que a educação do africano era confiada à Igreja, era ainda mais um sinal de
que a finalidade da educação portuguesa dos africanos era a submissão, não o de
desenvolvimento.
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