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domingo, 8 de outubro de 2023

O papel da Igreja na era colonial em Moçambique

Por: Carlos Nivagara

 O papel da Igreja na era colonial em Moçambique

Estando a educação do africano quase inteiramente nas mãos da Igreja, vale a pena olhar mais perto para a posição geral da Igreja, suas actividades e atitudes.

Enquanto o acto colonial proclama liberdade de consciência e de varias religiões, ao mesmo tempo e de maneira contraditória providencia uma protecção especial e assistência à Igreja Católica e ao seu programa missionário. Renegando uma atitude anterior, mantida durante as duas primeiras décadas que se seguiram à implantação da Republica, o Governo Português reconheceu os direitos e as funções especiais da Igreja, que eram «cristianizar e educar para nacionalizar e civilizar as populações nativas» em Moçambique esta politica era regida por adequadas disposições constitucionais, começando pelo Acordo Missionário de 1940 que reproduziu em pormenor os princípios contidos na Concordata de 7 de Maio de 1940 entre Portugal e a Santa Sé e o Estatuto Missionário de 1941. Por estes acordos, o Governo Português compromete-se a subsidiar os programas missionários da Igreja, limitando as actividades dos missionários estrangeiros não católicos, e desanimando o influxo de missionários católicos estrangeiros.

Na altura, uma população Moçambicana avaliada em 7 milhões de habitantes, o número dos que se dizia católico era de cerca de 800 000. Estes eram servidos por cerca de 100 missões e Igreja paroquiais, guiados por padres seculares e religiosos de várias ordens, incluindo franciscanos, dominicanos, beneditinos, lazaristas e padres da congregação do Espírito Santo. Em 1959 havia em Moçambique 240 padres e religiosos. E, destes, só três eram africanos. Algumas das mais importantes actividades da Igreja Católica era a «fundação e direcção de escolas para crianças europeia e africanas, escolas elementares, secundárias e profissionais e seminários…assim como enfermarias e hospitais». Toda a responsabilidade de educar o povo africano foi entregue à Igreja Católica, apesar do facto de a esmagadora maioria dos africanos não serem cristãos. E a isto acresce o encargo de preparar aqueles africanos que pudessem tornar-se assimilados à cultura portuguesa. Os Portugueses acreditavam que havia maior probabilidade de um africano se tornar um português completo se ele fosse católico. Esta convicção, tantas vezes foi expressa por funcionários do Governo, e foi comprovada por uma declaração feita em 1960 pelo Dr. Adriano Moreira, ex-subsecretario da Administração Ultramarina. Embora afirmando que a lealdade política não dependia de qualificações cristas, o Dr.Moreira declarou que a actividade missionaria católica estava inseparavelmente ligada ao patriotismo, e que a formação de qualidades cristas levava à formação de qualidade portuguesa.

Foi essa posição que levou à separação da educação das crianças africanas da das europeias, separação tanto mais estranha quanto é certo que em quaisquer outras partes do mundo a Igreja Católica insistia em educar os filhos dos seus membros. Todavia, em Moçambique os filhos dos Europeus, 95% dos quais eram católicos, entregues a escolas secundárias dirigidas pelo Estado. A intenção desta política era obviamente doutrinar os filhos dos nativos moçambicanos negros, assegurando assim ao Governo uma população dócil e leal a Portugal.

Esta atitude do Governo Portugues estava tão enraizado que dominava toda a politica, mesmo em decisões como a entrada de missionários cristãos estrangeiros, católicos ou protestantes, no país. Desde o século XVII, os missionários estrangeiros eram suspeitos de «desnacionalizarem os nativos» e de girem como guardas avançadas de governos estrangeiros. Quando estes missionários eram protestantes, aumentavam o medo e ressentimentos. Consequentemente, durante muitos anos as missões protestantes em Moçambique foram manietadas e muitas vezes obstruídas por uma poderosa combinação do clero católico português com a administração colonial. De vez em quando eram feitas declarações públicas, por altos funcionários do governo colonial, atacando as missões protestantes, acusando-as de fomentarem sentimentos anti-portugueses entre a população africana. Deste facto, os missionários protestantes foram atacados como responsáveis pelo crescimento do nacionalismo tanto em Angola como em Moçambique.

Na realidade, a liderança dos movimentos nacionalistas nos dois países era de religiões várias. Na nossa Frente de Libertação de Moçambique, muitos dos membros do Comité Central, que dirigia todo o programa de luta, ou deviam ser católicos, ou pertencerem a famílias católicas. O homem que primeiro comandou o programa de acção militar, falecido Filipe Samuel Magaia, tinha sido baptizado na Igreja Católica Romana, como o foi Samora Machel, chefe do Exercito de Libertação na altura.

A maioria dos estudantes ausentes, que haviam fugido das escolas portuguesas de Moçambique ou de Portugal, era católica. Quando em Maio de 1961, mais de 100 estudantes universitários das colónias portuguesas de África fugiram das universidades portuguesas para França, Suiça e Alemanha Ocidental, mais de oitenta de entre eles se declararam católicos ou vindos de famílias católicas. Não havia, portanto, provas que aprovassem as acusações portuguesas, que deviam antes basear-se nas finalidades da Igreja, seus métodos e atitudes que pretendia inculcar.

A educação elementar que a Igreja dava aos africanos era de conteúdo altamente religioso, com grande parte dos horários preenchida por aprendizagem de conhecimento religiosos. Alem disto, o nível das matérias ensinadas (Português, Leitura, Escrita e Aritmética) era muito baixo. Os cursos eram orientados pelo Portugal. A Historia e Geografia ensinadas eram de Portugal. A África era somente aflorada em ligação com o Império Português. Alem disso, grande parte do tempo era passada em trabalho manual, em prejuízo de matérias académicas. Embora os resultados destes trabalhos beneficiassem a missão, não eram aceites como compensação das propinas. Tudo isto era ilustrado por este testemunho de um ex-aluno da missão de Imbuho, Gabriel Maurício Nantimbo (província de Cabo Delegado)׃

«Eu estudei na missão, mas o ensino era mau. Primeiro, só nos ensinavam o que queriam que nós aprendêssemos o catecismo, não queriam que ficássemos a saber outras coisas. Todas as manhas tínhamos que trabalhar nos campos da missão. Diziam que os nossos pais não pagavam a nossa comida ou o nosso material escolar. A missão também recebia dinheiro do Governo, e as nossas famílias pagavam propinas. Depois de 1958 os nossos pais até tinham que pagar as enxadas com as quais cavávamos a terra da missão.»

No decorrer da educação, a Igreja naturalmente tentava instilar nos alunos atitudes políticas e morais, e em relação com isto era importante examinar o papel da Igreja para com o Estado Português. Em geral, a hierarquia católica portuguesa apoiava o programa do regime de Lisboa na metrópole e ultramar. E o Vaticano pouco fazia para alterar esta relação. Na realidade, na sua visita a Portugal em 1967, o Papa fez uma dádiva de 4.410.000$00 ao Governo Português, para «uso ultramarino», e nomeou o Cardeal de Lisboa Bispo das Forças Armadas Portuguesas, com o posto de brigadeiro. A atitude do Governo para com a Igreja estava claramente expressa numa declaração feita em 28 de Agosto de 1967 pelo subsecretario da Administração Ultramarina׃«Quando o Estado confiava às missões católicas parte dos trabalhadores de educação, o Estado tinha a certeza de que as missões trabalhariam para o bem comum na tarefa que lhes era confiada. E quando a Igreja aceitava essa tarefa, a Igreja também ficava certa de que o Estado escolhia o melhor caminho para defender os interesses que era seu dever defender. Disto conclui-se que, no auspicioso trabalho que durante séculos tem levado a efeito em África, as actividades da Igreja e do Estado continuariam em perfeita harmonia, conduzidas pelos mesmos ideais.»

Para muitos católicos portugueses, ser católico e ser português eram uma e a mesma coisa. E não se conhecia caso algum, durante os últimos quarenta anos, em que a Igreja Católica de Portugal se sentisse obrigada a protestar oficialmente contra os muitos actos de selvajaria do Governo Português contra o povo africano. Pelo contrário, os mais altos dignitários da Igreja tenderam sempre a dar a dar apoio à política e conduta do Governo. A única excepção a esta regra foi a posição dum chefe da Igreja em Moçambique, o Bispo da Beira, D. Sebastião Soares de Resende. Durante vários anos atreveu-se a questionar o Governo pelo tratamento dado aos cultivadores de algodão negros. Nas suas cartas pastorais mensais, publicadas num periódico da Igreja, criticou frequentemente a forma como o Governo punha em prática parte da sua politica africana.

O Bispo Resende era um dos liberais portugueses que acreditavam na possibilidade de criar em África um novo Brasil, onde a cultura portuguesa pudesse florescer mesmo depois da independência. A impressão que se tinha da sua posição, através dalgumas das suas pastorais e dum jornal diário cuja direcção lhe era atribuída, era de que ele só poderia conceber um Moçambique independente dentro duma comunidade de interesses portugueses, culturais, religiosos e económicos. A sua intenção era liberalizar a política, em lugar de a mudar radicalmente. Mas quando, finalmente, algumas das suas opiniões começaram a aborrecer o regime de Salazar, recebeu do Vaticano ordem para abster as publicar. Subsequentemente, o Governo cortou alguns dos privilégios de que anteriormente gozava, particularmente tirando-lhe as responsabilidades de director da única escola secundária existente na Beira.

A declaração mais clara, jamais feita por um dirigente da Igreja Portuguesa, sobre a , Pereira, Bispo Auxiliar de Lourenço Marques. Se a sua posição era considerada representativa da Igreja Católica Romana, então a Igreja era inequivocamente contra a independência. Numa circular, lida em todas as Igrejas Católicas e seminários de Moçambique, o Bispo acabou definindo 10 pontos cuja finalidade era convencer o clero de que a independência do povo africano era só um erro, mas também contrariava à vontade de Deus. A declaração dizia׃

1.      A independência não conta para o bem-estar do homem. Pode ser boa se existirem as condições adequadas (as condições culturais ainda não existem em Moçambique)

2.      Enquanto estas condições não forem criadas, tomar parte em movimentos pró- independência é agir contra a natureza.

3.      Mesmo se existissem estas condições, a Metrópole tem o direito de se opor à independência se a liberdade e os direitos do homem forem respeitados e se (a Metrópole) satisfazer o bem-estar e o progresso civil e religioso de todos.

4.      Todos os movimentos que empregam a força (terrorista) são contra a lei natural, porque a independência, admitindo-se como boa, deve ser obtida por meios pacíficos.

5.      Quando o movimento é terrorista, o clero tem obrigação, em consciência, não só de abster-se de tomar parte nele, mas também de se opor a ele. Esta (obrigação) deriva da natureza da sua missão (como dirigente religioso).

6.      Mesmo quando o movimento é pacífico, o clero deve abster-se, a fim de manter a influência espiritual sobre todo o povo. O superior da Igreja pode impor essa abstenção, ele impõe-na agora para Lourenço Marques.

7.      O povo nativo da África tem a obrigação de agradecer aos colonizadores todos os benefícios que deles recebem.

8.      Os mais educados tem o dever de guiar aqueles que tem menos educação contra todas as ilusões de independência.

9.      Os actuais movimentos de independência tem, quase todos, o sinal da revolta e do comunismo, não tem razão alguma, não devemos, portanto, apoiar esses movimentos. A doutrina da Santa Sé é bem clara quanto ao comunismo ateu e revolucionário. A grande revolta é a do Evangelho.

10.  A palavra de ordem «África para os Africanos» é uma monstruosidade filosófica e um desafio à civilização crista, porque os acontecimentos de hoje dizem-nos que o comunismo e o islamismo querem impor a sua civilização sobre os Africanos.

É evidente que não era por acaso que a Igreja adoptasse este ponto de vista, e que a educação do africano era confiada à Igreja, era ainda mais um sinal de que a finalidade da educação portuguesa dos africanos era a submissão, não o de desenvolvimento.

Em teoria, o fim da educação era ajudar o africano a «civiliza-se» e torna-lo um «português». Isto, em si, era um ponto de vista etnocêntrico estreito, mas ao menos ofereceriam aos africanos a oportunidade de se desenvolver, mesmo que não fossem na direcção mais desejável. Na prática, nada disto era levado a cabo. O sistema era organizado de modo a tornar quase impossível a um africano obter educação que o qualificasse para mais alguma coisa do que o trabalho insignificante. Todo o sistema do ensino africano era delineado para produzir não cidadãos mas 

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