O surgimento do
nacionalismo em Moçambique[1]
Por: Carlos Nivagara
Assim
como todo o nacionalismo africano, o Moçambicano nasceu da experiencia do
colonialismo europeu. A fonte da unidade nacional era o sofrimento em comum
durante os últimos 50 anos passados debaixo do domínio efectivo Português. A afirmação
nacionalista não nasceu duma comunidade estável, historicamente significando
unidade cultural, económica, territorial e linguística. Em Moçambique, foi a dominação
colonial que produziu a comunidade territorial e criou a base para uma coesão psicológica,
fundamentada na experiencia da discriminação, exploração, trabalho forçado e
outros aspectos do sistema colonial.
Mesmo
assim, foi limitada a comunicação entre as comunidades sujeitas às mesmas
experiencias. Todas as formas de comunicação vinham de cima, por meio da administração
colonial. Este facto dificultou o desenvolvimento duma consciencialização única
em toda a área territorial. Em Moçambique, a situação foi agravada pela política
do «Portugal maior», pela qual a colónia era designada como uma «Província» de
Portugal, o povo chamado «portugueses» pelas autoridades. Na rádio, nos
jornais, nas escolas, havia muita conversa sobre «Portugal», e muito pouco
sobre «Moçambique». Entre os camponeses, essa propagação conseguiu dificultar o
desenvolvimento dum conceito de «Moçambique», e, como Portugal era uma ideia
muito distante para constituir um factor de unificação, o tribalismo
acentuou-se por falta de estímulo para olhar para além da unidade social
imediata.
Em
muitas áreas onde a população era diminuta e pouco densa, o contacto entre o
poder colonial e o povo era tão superficial que existia pouca experiencia
pessoal da dominação. Havia no Niassa Oriental alguns grupos que tinham visto
os Portugueses antes da deflagração da guerra. Nessas áreas, a população tinha
pouca noção de pertencer fosse a uma nação ou a uma colónia, e ao princípio
foi-lhe difícil compreender a luta. Todavia a chegada do exército português
mudou rapidamente esta situação.
Resistência popular
Onde
quer que se sentisse o poder colonial, aparecia alguma forma de resistência,
desde a insurreição armada ate ao êxodo maciço. Mas em qualquer momento, era
apenas uma comunidade limitada, pequena em comparação com a sociedade, aquela
que levantava contra o colonizador, enquanto a própria oposição era também
limitada, por ser dirigida somente contra um só aspecto da dominação, aquele
aspecto concreto que afectava aquela comunidade naquele preciso momento.
A
resistência activa foi finalmente esmagada em 1918, com a derrota do Makombe
(Rei) de Barwe, na região de Tete. E desde o princípio dos anos 30, a administração
colonial do jovem estado fascista espalhou-se através de Moçambique,
destruindo, muitas vezes fisicamente, a estrutura do poder tradicional.
Desse
momento em diante, tanto a repressão como a resistência endureceram. Mas o
centro de resistência deslocou-se das hierarquias tradicionais, que se tornaram
dóceis fantoches dos Portugueses, para indivíduos e grupos, embora por muito
tempo estes tenham permanecido isolados nos seus fins e actividades, como os
chefes tradicionais o tinham estado.
Era
muito frequente a rejeição psicológica do colonizador e sua cultura, mas não
era ainda uma posição consciente e raciocinada, era antes uma atitude ligada
com a tradição cultural do grupo, suas antigas lutas contra os Portugueses e
experiencia de sujeição.
O
desejo português de implantar a sua cultura através de todo território, mesmo
que fosse bem-intencionado, era completamente destruído de realismo por causa
da relação numérica existente. Sendo os portugueses 2% da população, não podiam
esperar dar a todos os africanos sequer a oportunidade de observar o estilo de
vida português, e muito menos ter íntimo contacto que lhes permitisse
assimila-lo. Como muitas nações, também calcularam mal o entusiasmo dos «pobres
selvagens» pela «civilização». Visto que a maioria dos africanos só encontravam
os Portugueses no momento de pagar impostos, quando eram contratados para
trabalho forçado ou quando lhes apreendiam as terras, não era para admirar que
tivessem uma impressão desfavorável da cultura portuguesa. Esta repulsa era
muitas vezes expressa em cantigas, danças, mesmo em trabalhos de madeira
esculpida, formas tradicionais de expressão que o colonizador não compreendia,
e através das quais ele podia ser secretamente ridicularizado, denunciado e
ameaçado. Os Chope, por exemplo, cantavam׃
Ainda estamos zangados, é
sempre a mesma história
As filhas mais velhas têm
de pagar o imposto
Natanele disse ao homem
branco que o deixasse em paz
Natanele disse ao branco
que me deixasse estar
Vós, os velhos, deveis
tratar dos nossos assuntos
Porque o homem que os
brancos nomearam é um filho de nimguem
Os Chopes perderam o
direito à sua própria terra
Deixem-me contar-lhes…
Noutra
canção eles ridicularizavam na tentativa de impor as maneiras portuguesas׃
Ouça
a canção da gente de Chigombe׃
É aborrecido dizer «bom
dia» a todo momento
Macarite e Babuane estão
na cadeia
Porque não disseram «bom
dia»,
Tiveram que ir para
Quissico para dizer «bom dia».
Por
outro lado, algumas das esculturas do povo maconde exprimiam uma arreigada
hospitalidade à cultura estranha. Nessa área, os missionários católicos
desenvolveram grande actividade, e sob a influência deles muitos artistas
fizeram madonas e crucifixos, imitando modelos europeus. Ao contrário do que
acontecia com os trabalhos macondes sobre temas tradicionais, estas imagens
cristas eram na sua maioria rigidamente estereotipadas e sem vida. Mas, por
vezes, uma delas afasta-se do estereótipo, e quando isso acontecesse era quase
sempre porque se introduzia no trabalho algum elemento de dúvida e desafio, uma
madona uma serpente na mão em lugar de um menino Jesus, um padre representado
com as patas dum animal selvagem, uma pieta torna-se um estudo de vingança e
não de dor, com a mão levantando uma espada sobre o corpo do seu filho morto.
Em
áreas específicas e em tempos específicos, estas atitudes, enraizadas na
cultura popular, cristalizaram em acções de um tipo ou outro׃
os «mais velhos» «discutiam, sim, os nossos assuntos». Uma forma que resultou
deste facto foi o movimento cooperativo, que se desenvolveu no Norte durante os
anos 50. Na sua fase inicial, foi mais construtivo do que a manifestação de
desafio. Muitos camponeses, incluindo Mzee Lazaro Kavandame, membro do Comité
Central da FRELIMO e secretário provincial de Cabo Delegado na altura,
organizaram-se em cooperativas, numa tentativa de racionalizar a produção e a
venda de produtos agrícolas e de melhorar a sua sorte. As autoridades portuguesas,
porem, restringiram severamente a actividade das cooperativas, carregaram-nas
de impostos, e mantiveram as reuniões sob estreita vigilância. Foi nessa altura
que o movimento começou a adquirir carácter mais político, tornando-se
totalmente hostil às autoridades.
O começo do nacionalismo
As
condições eram desforráveis à expansão das ideias nacionalistas por todo o
país. Por causa da proibição de associação política, da necessidade de segredo
imposta por esta proibição, da erosão da sociedade tradicional e da falta de educação
moderna nas áreas rurais, foi só entre uma minoria diminuta que ao princípio se
desenvolveu a ideia de acção nacional em contraposição com acção local. Esta
minoria era predominante urbana, composta de intelectuais e assalariados,
indivíduos essencialmente desenraizados do sistema tribal, na sua maioria
africanos assimilados e mulatos, por outras palavras, um pequeno sector
marginal da população.
Nas
cidades, o poder colonial era visto mais de perto e mais fácil de compreender
que a força do colonizador era construída sobre a nossa fraqueza e que os seus
progressos dependiam da mão-de-obra do africano. Talvez a própria ausência de
ambiente tribal ajudasse a incitar a uma visão nacional, estimulasse este grupo
a ver Moçambique como terra de todos os moçambicanos, os fizesse compreender a
força da unidade.
Encorajados
pelo liberalismo da nova república em Portugal (1910-1926), estes grupos
formaram sociedades e criaram jornais nos quais conduziram campanhas contra os
abusos do colonialismo, exigindo direitos iguais, ate que, a pouco e pouco,
começaram a denunciar todo o sistema colonial.
Em
1920 foi fundada em Lisboa a Liga Africana, organização que unia os poucos
estudantes africanos e mulatos que vinham para a cidade. Tinha como fim dar
«carácter organizado às ligações entre os povos colonizados», participou na
Terceira Conferencia Pan-Africana, reunida em Londres e organizada por W.E Du
Bois, e em 1923 recebeu em Lisboa a Segunda Sessão da Conferencia. Era
significativo conceber a Liga não só a unidade nacional, como também a unidade
entre as colónias contra o mesmo poder colonial, uma unidade africana mais
alargada contra todas as forças coloniais, e a unidade entre todos os povos
negros oprimidos do Mundo. Mas, de facto, era fraca, composta apenas por vinte
membros e situada em Lisboa, longe do teatro de possível acção.
Em
Moçambique, no princípio dos anos vinte, formou-se uma organização chamada Grémio
Africano, que mais tarde se transformou na Associação Africana. Colonos e administração
depressa se mostraram alarmados perante as exigências da Associação, e no princípio
dos anos trinta, favorecidos pelos ventos fascistas que sopravam de Portugal,
iniciaram uma campanha de intimidação e infiltração e conseguiram a aliança
dalguns dos chefes para dirigir a Associação em linhas mais conformistas.
Formou-se então uma ala mais radical, que se separou e criou o Instituto Negrófilo,
e este foi mais tarde forçado pelo Governo de Salazar a mudar o seu nome para
Centro Associativo dos Negros de Moçambique. Cresceu a tendência de os mulatos
entrarem para a Associação Africana, enquanto os africanos negros se
concentravam no Centro Associativo.
Formou-se
terceira organização intitulada Associação dos Naturais de Moçambique. Esta era
inicialmente concebida como meio de defender os direitos dos brancos nascidos
em Moçambique, mas desde os anos 50 abriu as portas a outros grupos étnicos, e
depois disso tornou-se bastante activa na luta contra o racismo. Fez mesmo
alguma coisa para melhorar a instrução africana por meio de bolsas de estudos.
Outras associações similares foram formadas por grupos de interesse menor, como
os africanos muçulmanos ou diferentes grupos de indianos.
Todas
estas organizações realizavam acções políticas a coberto de programas sociais,
assistência mútua e actividades culturais ou desportivas. E lado a lado com
estes movimentos desenvolveu-se uma imprensa de protesto, encabeçada pelo
jornal O Brado Africano, fundado pela
Associação Africana e dirigido pelos irmãos Albasini. Esta imprensa amordaçada
em 1936 pela censura de imprensa do governo fascista, mas só constituía um
porta-voz relativamente efectivo de revolta.
O
espírito destes movimentos iniciais e a natureza do seu protesto ficam bem
ilustrados por este editorial de O Brado
Africano, de 27 de Fevereiro de 1932 como o texto a baixo ilustra׃
«Estamos fartos. Tivemos
que vos aturar, que sofrer as terríveis consequências das vossas loucuras, das
vossas exigências…não podemos aguentar mais os efeitos perniciosos das vossas
decisões políticas e administrativas. De agora em diante recusamo-nos a fazer
maiores e mais inúteis sacrifícios. Já chega. Insistimos que leveis a cabo os
vossos deveres fundamentais, não com leis e decretos, mas com actos. Queremos
ser tratados da mesma maneira que vós. Não aspiramos ao conforto de que vos
rodeia, graças à vossa força. Não aspiramos à vossa educação requintada, ainda
menos aspiramos a uma vida toda dominada pele ideia de roubar o vosso irmão.
Aspiramos ao nosso ‘estado selvagem’ que, todavia, enche as vossas barrigas e
as vossas algibeiras. E exigimos alguma coisa…’pão e luz’. Repetimos que não
queremos fome nem sede, nem pobreza, nem uma lei de descriminação baseada na
cor. Havemos de aprender a usar o bisturi, a gangrena que espalheis entre nós
há-de infectar-nos e então já não teremos a forca para a acção. Agora temo-la
nós, as bestas de carga…»
Deste
texto surge claramente uma linha de demarcação entre colonizador e colonizado,
este vê-se a si próprio como um conjunto dominado, e levanta-se contra um outro
conjunto, o grupo colonialista, a quem contesta o poder. É interessante notar a
completa rejeição dos valores do colonizador, o orgulhoso assumir do ‘estado
selvagem’ e a definição da civilização colonizadora dominada pelo ‘roubar o
vosso irmão’.
É
verdade que ainda não está formulada a exigência da independência nacional.
Esta fase de denuncia, contudo, e a exigência de direitos iguais eram
necessárias ao desenvolvimento duma consciência politica que iria conduzir à
exigência da independência. Só depois de estas exigências preliminares terem
sido rejeitadas se poderia tomar posições mais radicais.
A
instrução do Estado Novo de Salazar e a repressão política que se lhe seguiu
acabaram com esta onda de actividade política. A corrupção e dissensões
internas fomentadas pelo Governo transformaram as organizações em clubes
burgueses, que eram frequentemente requisitados pelas autoridades para tomarem
parte na vassalagem a Salazar e ao seu regime.
Só
no fim da Segunda Guerra Mundial, e com a derrota dos principais poderes
fascistas, se tornou possível alguma renovação da actividade política. As
mudanças de poder em todo o Mundo e o ressurgir do nacionalismo,
particularmente em África, tinham repercussões nos territórios Portugueses,
apesar da continuação dum governo fascista em Lisboa e dos esforços das
autoridades portuguesas para isolar as áreas que controlavam contra as ideias
de autodeterminação que ganhavam terreno noutros pontos.
A revolta dos
intelectuais
Mais
uma vez, só a pequena minoria culta se achava em posição de acompanhar os
acontecimentos mundiais, só ela tinham contactos adequados com o exterior e
tinham sido capazes de adquirir o hábito do pensamento analítico, que agora lhe
permitiam compreender globalmente o fenómeno colonial.
Em
Moçambique levantava-se uma nova geração de insurrectos, activa e decidida a
lutar nos seus próprios termos, e não nos termos impostos pelo governo
colonial. Estavam aptos para examinar os três aspectos essenciais da sua
situação׃ discriminação racial e exploração do
sistema colonial, fraqueza real do colonizador, e, finalmente, a evolução
social do homem em geral, com o contraste entre o surto da luta negra na África
e na América e na muda resistência do seu próprio povo.
Sabiam
analisar a situação, mais era lhes difícil fazer mais do que isso. O campo de acção
era limitado principalmente pela estrutura de opressão, a insidiosa rede de polícia
desenvolvida pelo Estado fascista durante o seu longo período de força, e
depois pela falta de contacto entre a minoria urbana politizada e a massa
populacional que suportava o fardo da exploração, que de facto sofria o
trabalho forçado, o cultivo obrigatório e a ameaça da violência no dia-a-dia.
Não é pois de admirar que entre esta minoria a resistência encontrasse, ao
princípio, expressão exclusivamente cultural.
A
nova resistência inspirou um movimento em todas as artes, que teve inicio nos
anos quarenta e influenciou poetas, pintores e escritores de todas a colónias
portuguesas. Em Moçambique os mais conhecidos era provavelmente os pintores
Malangatana e Craveirinha, o contista Luís Bernardo Honwana e os poetas José
Craveirinha e Noémia de Sousa.
Os
quadros de Malangatana e José Craveirinha (sobrinho do poeta) foram buscar a
sua inspiração às imagens da escultura tradicional e à mitologia africana,
ligando-as em obras explosivas de temas de libertação e denúncia da violência
colonial.
Os
contos de Luís Bernardo Honwana, que foram largamente reconhecidos fora da África
como um mestre da sua especialidade, levavam o leitor a fazer a mesma denúncia
através duma análise pormenorizada do comportamento humano. Seguindo uma longa tradição
de artistas que trabalhavam sob o domínio dum governo opressivo, eles escreviam
por vezes em forma de parábolas, ou centralizavam a sua história em volta dum
caso concreto que utilizavam para iluminar toda a situação.
Na
poesia política dos anos quarenta e cinquenta predominam três temas׃
reafirmação da África como mãe-pátria, lar espiritual e contexto de futura
nação, levantamento do homem negro noutras partes do Mundo, chamada geral à
revolta, e presentes sofrimentos do povo de Moçambicano, esmagado sob o
trabalho forçado e nas minas.
O
primeiro destes temas era frequentemente entretecido com os conflitos pessoas
do poeta, surgindo os problemas das suas origens e situação familiar já
descrita em conexão com a posição social do mulato. Numa forma generalizada,
tenta exprimir as raízes comuns a todos os moçambicanos num passado africano pré-colonial,
como neste extracto dum poema de juventude de Marcelino dos Santos, «Aqui
nascemos»׃
A terra onde nascemos
vem de longe
com o tempo
Nossos avos
nasceram
e vivem nesta terra
e com ervas de fina seiva
foram veias em corpo
longo
fluido rubro perfume
terrestre
Arvores e granitos
erguidos
seus braços
abraçaram a terra
no trabalho quotidiano
e esculpindo as pedras
férteis
do mundo a começar
em cores iniciaram
o grande desenho da vida
O
melhor exemplo do segundo tema é talvez o poema de Noémia de Sousa «Deixa
passar o meu povo», inspirado pelas lutas do Negro Americano׃
Noite morna de Moçambique
e sons longínquos de
marimba chegam até mim
-certos e constantes-
vindos nem eu sei donde.
Em minha casa de madeira
e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar…
Mas vozes da América
remexem-me a alma e os nervos
E Robeson e Marian cantam
para mim
spirituals negros de Harlem.
Let my people go
-oh deixa passar o meu
povo,
deixa passar o meu povo-,
dizem.
E eu abro os olhos e já
não posso dormir.
Dentro de mim soam-me
Anderson e Paul
e não são doces vozes de
embalo
Let
my people go
O
sofrimento do trabalhador forcado e do mineiro inspiraram muitos poemas e havia
vigorosos exemplos dos principais «Mamana Saquina», de Craveirinha, «A terra
treme», de Marcelino dos Santos. Aqueles poemas, porem, tinham interesse não
tanto pela sua força e eloquência como pelos termos em que descrevem a situação,
porque ilustravam muito ao vivo a fraqueza, assim como a força, do movimento ao
qual pertenciam os seus autores. Nenhum destes escritores tinham experimentado
o trabalho forçado, nenhum deles esteve sujeito ao Código do Trabalho Nativo, e
escreviam sobre o assunto como espectadores, lendo as suas próprias reacções
intelectualizadas nos espíritos do mineiro africano e do trabalhador forçado.
Noémia de Sousa, por exemplo, escreveu em «Magaiça»׃
Magaiça atordoado acendeu
o candeeiro
à cata das ilusões
perdidas
da mocidade e da saúde
que ficaram soterradas lã nas minas do jone…
Craveirinha,
falando do «homem do chope» sob contrato no Rand, escreve׃ «cada vez que ele pensa em fugir era uma
semana numa galeria sem sol». Mas de facto nem se fala em «fugir»׃
os moçambicanos contratam-se para as minas a fim de trazer dinheiro para a
família e evitar o trabalho forçado sob condições económicas ainda piores. O
próprio modo como estes poemas são concebidos, num estilo de eloquente
autocompaixão, era estranho à reacção africana. Compare-se qualquer destes
poemas com as canções chopes citadas acima. Era evidente que, apesar dos esforços
dos seus actores para serem «africanos», tinham recebido mais da tradição
europeia do que da africana. Isto indicava a falta de contacto entre estes
intelectuais e o resto do país. Nesse tempo, não estavam em posição de forjar
um verdadeiro movimento nacional, como não o estavam os camponeses das
cooperativas de Lazaro Kavandame. Por outro lado, a sua forca estava no seu
entusiasmo e capacidade, adquiridos em parte no seu conhecimento da história
europeia e do pensamento revolucionário, para analisar uma situação política e
exprimi-la em claros e vivos termos.
Noémia
de Sousa esta forte chamada à revolta quando um dos seus companheiros do
movimento tinha sido preso e deportado depois de greves de 1947׃
Mas
que importa?
Roubaram-nos
João
mas
João somos nós todos
por
isso João não nos abandonou
João
não era, João é e será
porque
João somos nós, nós somos multidão
e
multidão
quem
pode levar multidão e fechá-la numa jaula?
No grito Negro, Craveirinha conseguiu dar um dos mais
vividos testemunhos de alienação e revolta que jamais foram escritos. Pela sua estreita e significativa
estrutura musical, este poema perde muita da sua forca na tradução, mas vale a
pena.
O autor refere-se à tradução que fez do poema para a
edição inglesa da obra.
A versão original que se segue foi retirada da obra de
Mário de Andrade
A
Poesia Africana de Expressão Portuguesa (Antologia Temática), vol.I. (Nota do
Editor.) citá-lo por inteiro,
porque é uma das obras mais importantes e influentes do tempo׃
Eu
sou carvão!
E tu
arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me
tua mina, patrão.
Eu
sou carvão
e tu
acendes-me, patrão
para
te servir eternamente como forca motriz
mas
eternamente não, patrão.
Eu
sou carvão
e
tenho que arder, sim
e
queimar tudo com a forca da minha combustão.
Eu
sou carvão
tenho
que arder na exploração
arder
vivo como alcatrão, meu irmão
até
não ser mais a sua mina, patrão.
Eu
sou carvão
tenho
que arder
queimar
tudo com fogo da minha combustão.
Sim!
Eu
serei o teu carvão, patrão!
Poucos do grupo de Craveirinha conseguiram escapar ao seu
isolamento e fazer a ligação entre a teoria e a pratica. Noémia de Sousa deixou
Moçambique, deixou de escrever poesia, para ir viver em Paris, muitos,
incluindo Craveirinha e Honwana, ficaram presos. Malangatana trabalhava em Moçambique,
mas vigiado de perto e importunado pela polícia. De todos os que mencionei, só
Marcelino dos Santos, depois dum longo período de exílio na Europa, se juntou
ao movimento de libertação, e desde essa altura, a sua poesia mudou e
desenvolveu-se sob o impacto da luta armada. A obra de Craveirinha e dos seus
companheiros, influenciaram e inspirou uma geração pouco mais jovem de
intelectuais, muitos dos quais conseguiram fugir à vigilância da policia e
laçaram-se no movimento de libertação. Ai, no contexto da luta armada, estava a
tomar forma numa nova tradição literária.
Esta foi a geração dos que cresceram depois da Segunda
Guerra Mundial e que estavam na escola durante os primeiros movimentos de
autodeterminação noutros pontos de África. Foi na escola que começou a
desenvolver as suas ideias políticas, e foi na escola que começaram a
organizar-se. O próprio sistema português de ensino dava-lhes boas razões de
descontentamento. Os poucos africanos e mulatos que conseguiram chegar à escola
secundária fizeram-no com muita dificuldade. Nas escolas, de frequência
predominantemente branca, eram constantemente sujeitos à discriminação. Ainda
por cima, as escolas tentavam separá-los do seu ambiente tradicional, aniquilar
os valores em que tinham sido criados e fazer deles «portugueses» em
consciência, embora não em direitos. O relato que se segue, feito por uma jovem
africana que frequentava numa escola técnica de Lourenço Marques, mostra como
esta tentativa tinha falhado׃
«Josina Muthemba» mais conhecida em Moçambique como
Josina Machel׃
Os
colonialistas queriam enganar-nos com o seu ensino, ensinavam-nos só a história
de Portugal, a Geografia de Portugal, queriam formar em nós uma mentalidade
passiva, para nos tornarem resignados à sua dominação. Não podíamos reagir
abertamente, mas tínhamos conhecimento da sua mentira, sabíamos que o que eles
diziam era falso, que éramos moçambicanos e nunca podíamos ser portugueses.
Em 1949, os alunos das escolas secundárias, conduzidos
por alguns que tinham estado a estudar na África do Sul, formaram o Núcleo dos
Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), que estava ligado ao
Centro Associativo dos Negros de Moçambique e que, igualmente, a coberto de
actividades sociais e culturais, movia entre a juventude uma campanha política
para espalhar a ideia da independência nacional e iniciar à resistência contra
a sujeição imposta pelos Portugueses. Logo desde o inicio, a polícia vigiou de
perto o movimento. Na altura o arquitecto da unidade nacional «Eduardo
Mondlane» era um dos estudantes vindos da África do Sul e fundador do NESAM,
acabou sendo preso e longamente interrogado a cerca das suas actividades em
1949. Todavia o NESAM conseguiu sobreviver até aos anos sessenta, e ainda
lançou uma revista, Alvor, que,
embora censurada, contribuiu para espalhar as ideias desenvolvidas nas regiões
e discussões do grupo.
A eficácia do NESAM, como a de todas as organizações dos
primeiros tempos, era estritamente limitada pelo pequeno número dos seus
membros, neste caso, restrita aos estudantes negros da escola secundária. Mas,
pelo menos de três maneiras, deu um importante contributo para a revolução.
Comunicou ideias nacionalistas à mocidade negra instruída. Conseguiu certa revalorização
da cultura nacional, que contra-atacou as tentativas dos Portugueses para
levarem os estudantes africanos a desprezarem e abandonarem o seu próprio povo.
Deu a única oportunidade de estudar e discutir Moçambique sem ser como um
apêndice de Portugal. E, talvez o mais importante de tudo, cimentou contactos
pessoais, estabeleceu uma rede de comunicação a nível nacional, que se formou
entre gente de todas as ideias, e que podia ser utilizada por um futuro
movimento secreto. Por exemplo, quando a FRELIMO se instalou na região de
Lourenço Marques em 1962-1963, os membros de NESAM foram os primeiros a serem
mobilizados e constituíram uma estrutura para receber o partido. A polícia
secreta, ou PIDE, também percebeu isto e proibiu o NESAM, em 1964, prendeu
alguns dos seus membros e forçou outros a partirem para o exílio. Neste tempo,
Josina Muthemba era activa no NESAM e descreveu este estado de opressão e a
sorte do seu próprio grupo׃
«Queríamos
organizar-nos, mas fomos perseguidos pela polícia secreta. Tínhamos actividades
culturais e educacionais, mas durante discussões, reuniões e debates tínhamos
que estar constantemente atentos à policia… a polícia perseguia-nos, e proibiu
mesmo o NESAM.
Também
fui presa quando fugia de Moçambique. Prenderam-me nas cataratas de Vitoria, na
fronteira entre a Rodésia e a Zâmbia. A polícia rodesiana prendeu-me e
mandou-me de volta para Lourenço Marques (a policia rodesiana trabalhava em
conivência com a policia portuguesa). Éramos oito no nosso grupo, rapazes e
raparigas. A polícia portuguesa ameaçou-nos, interrogou-nos e bateu nos
rapazes. Fiquei na prisão seis meses sem estar sentenciada nem condenada.
Estive seis meses na prisão sem me incriminar sequer de coisa alguma.»
Pouco tempo depois, enquanto tentavam ir da Suazilândia
para a Zâmbia, 75 membros do NESAM foram presos pela polícia sul-africana e
entregues à PIDE. Foram internados em campos de concentração no Sul de
Moçambique.
Em 1963, alguns ex-membros do NESAM fundaram a UNEMO
(União dos Estudantes de Moçambique), que faz formalmente parte da FRELIMO e
que organizou os estudantes moçambicanos que estudavam com a assistência da
FRELIMO.
Em Portugal, os poucos estudantes negros ou mulatos que
atingiram um instituto superior reuniam-se na Casa dos Estudantes do Império
(CEI) e também estabeleciam ligações, através do Clube dos Marítimos, com
marinheiros das colónias que vinham frequentemente a Lisboa. Em 1951, o Centro
de Estudos Africanos foi formado por membros CEI, embora não fizesse parte
desta. Apesar das medidas opressivas da polícia, a CEI trabalhou activamente,
até à sua dissolução em 1965, para espalhar a palavra da independência nacional
nas colónias, difundir informação sobre as colónias para o mundo alem de
Portugal, e para endurecer e consolidar as ideias nacionalistas entre a
juventude. Em 1961, um grande grupo destes estudantes, frustrado e finalmente
ameaçado pela natureza persistente da acção da policia, fugiu pela fronteira e
conseguiu chegar a França e à Suíça, cortando publica e irreversivelmente com o
regime português. Muitos destes estabeleceram imediatamente contactos abertos
com os seus movimentos de libertação e muitos destes antigos estudantes do
«Império Português» são agora chefes da FRELIMO.
A acção
dos trabalhadores urbanos
No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, foi entre o
proletário urbano que se realizaram as primeiras experiencias da resistência
activa organizada. A concentração da mão-de-obra dentro e perto das cidades e
as terríveis condições de trabalho e pobreza constituíram o ímpeto fundamental
para a revolta, mas, na ausência de sindicatos, eram apenas os grupos políticos
clandestinos que podiam dar a necessária organização. Os únicos sindicatos
permitidos pelos Portugueses eram os sindicatos fascistas, cujos chefes eram
escolhidos pelos patrões e pelo Estado, e que, de qualquer modo, só permitiam a
inscrição como sócios aos trabalhadores brancos e ocasionalmente a africanos
assimilados.
Em 1947 o descontentamento radical da força de trabalho,
combinado com a agitação política, resultou numa serie de greves nas docas de
Lourenço Marques e em plantações vizinhas que culminaram numa insurreição
abordada em Lourenço Marques em 1948. Os participantes foram ferozmente
punidos, e varias centenas de africanos deportados para S.Tome. Em 1956, também
em Lourenço Marques, houve uma greve nas docas, que terminou com a morte de 49
participantes. Dai, em 1962-63, elementos clandestinos da FRELIMO tomaram conta
do trabalho de organização e iniciaram um sistema mais bem coordenado, que
contribuiu para planear as greves das docas, desencadeadas em 1963, em Lourenço
Marques, Beira e Nacala. Apesar da sua extensão maior, este esforço também
acabou com a morte e prisão de muitos participantes. Embora houvesse alguma
organização politica entre os trabalhadores responsáveis pelas greves, a
própria acção da greve foi grandemente espontânea e, na sua maioria,
localizada. O seu fracasso e a brutal repressão que se lhe seguiu em todos os
casos desanimaram temporariamente tanto as massas como os comandos de
considerarem a acção da greve como uma arma política eficaz no contexto de
Moçambique.
Rumo
à unidade
Tanto a agitação dos intelectuais como as greves da força
de trabalho urbana estavam condenadas ao fracasso, porque em ambos os casos era
apenas a acção dum pequeno grupo isolado. Para um governo como o português, que
havia se colocado contra a democracia e estava disposto a usar de extrema
brutalidade para esmagar a oposição, era fácil tratar com essas bolsas isoladas
de resistência. O próprio fracasso destas tentativas e a feroz repressão que se
lhes seguiu tornaram, porem, tudo isto evidente e prepararam o terreno para uma
acção de base mais larga. A população urbana de Moçambique atingiu ao todo meio
milhão de habitantes, pelo que um movimento nacionalista sem fortes raízes nos
campos nunca conseguiria ter sucesso.
Alguns acontecimentos nas zonas rurais, ocorridos no período
que precedeu imediatamente a formação da FRELIMO, foram de enorme importância.
Tomaram uma direcção extrema na área do Norte, perto de Mueda, embora tivessem
repercussões mais fracas noutras regiões. Foram primeiro que tudo os efeitos,
sobre as populações, do fracasso do movimento cooperativo já descrito. A
reacção dos chefes fica bem ilustrada pelas palavras do próprio Lazaro
Kavandame׃
«Não consegui
dormir toda a noite. Eu sabia que a partir daquele momento eles não me
deixariam mais em paz, que tudo o que eu fizesse seria vigiado e controlado de
perto pelas autoridades, eles iriam chamar-me mais e mais vezes ao Posto
Administrativo e que eu seria constantemente vigiado pela polícia. A minha
única era a fuga…imediatamente tratamos de organizar uma reunião dos chefes do
povo com o fim de discutir os meios de acção para reconquistar a nossa
liberdade e expulsar os Portugueses opressores da nossa terra. Depois de um
longo e importante debate, chegamos à conclusão de que o povo maconde, só por
si, não conseguiria expulsar o inimigo. E então decidimos reunir forças com os
moçambicanos do resto do país.»
O
outro acontecimento, também ligado às cooperativas, foi um aumento da agitação
espontânea, que culminou numa grande manifestação em Mueda em 1960. Esta
manifestação, embora passasse despercebida no resto do Mundo, actuou como
catalisador sobre a região. Mais de 500 pessoas foram abatidas pelos
Portugueses, e muitos daqueles que não tinham encarado bem o uso da violência
denunciavam agora a resistência pacífica como fútil. A experiencia de Teresinha
Mblale, militar da FRELIMO, mostra porquê׃ «Eu
vi como os colonialistas massacraram o povo em Mueda. Foi quando eu perdi o meu
tio. A nossa gente estava desarmada quando eles começaram a disparar.» Ela
foi uma de entre os milhares que decidiram nunca mais estarem desarmados, em
frente da violência portuguesa.
Alberto
Joaquim Chipande, um jovem de 22 anos na altura e um dos chefes em Cabo
Delegado, dá-nos um relato mais completo׃
«Certos chefes
trabalhavam no meio de nós. Alguns deles foram levados pelos Portugueses-Tiago
Muller, Faustino Vanomba, Kibiriti Diwane- no massacre de Mueda em 16 de Junho
de 1960. Como é que aquilo aconteceu? Bem, alguns dos homens puseram-se em
contacto com a autoridade e pediram mais liberdade e mais salário… depois,
estando o povo a dar apoio a estes chefes, os Portugueses mandaram polícias
pelas aldeias, convidando as populações para uma reunião em Mueda. Vários milhares
vieram ouvir os Portugueses. Como depois se verificou, o administrador tinha
pedido ao governador da província de Cabo Delegado que viesse de Porto Amélia e
trouxesse uma companhia do exército. Mas estas tropas esconderam-se ao chegarem
a Mueda. Ao princípio não as vimos. Então o governador convidou os nossos
chefes a entrarem no edifício da Administração. Eu estava à espera do lado de
fora. Ali estiveram durante quatro horas. Quando saíram para a varanda, o
governador perguntou à multidão quem queria falar. Muitos queriam falar, e o
governador disse-lhes que se colocassem à parte.
Depois, sem mais uma
palavra, mandou a polícia amarrar as mãos daqueles que estavam à parte, e a polícia
começou a bater-lhes. Eu estava ao pé. Vi tudo. Quando o povo viu o que estava
a acontecer, começou a manifestar-se contra os portugueses, e estes
limitaram-se a mandar avançar os camiões da polícia para lá meter os presos.
Contra isto continuaram as manifestações. Nesse momento a tropa ainda estava
escondida e o povo avançou para a policia, tentando impedir que os presos
fossem levados dali. Então o governador chamou a tropa, e, quando os soldados
apareceram, mandou-os abrir fogo, mataram à volta de 600 pessoas. Agora, os
Portugueses dizem que castigaram este governador, mas claro que se limitaram a
muda-lo de lugar. Eu próprio escapei porque estava perto dum cemitério onde me
consegui esconder, e depois fugi.»
Depois
deste massacre, nunca mais o Norte podia voltar à normalidade. Em toda a região
tinha-se levantado o mais amargo ódio contra os portugueses e era evidente, uma
vez por todas, que a resistência pacífica era fútil.
Assim,
por toda a parte, foi a própria severidade da repressão que criou as condições
necessárias para o desenvolvimento dum movimento nacionalista militante e
forte. O estado policial apertado obrigava toda a acção a ir para a
clandestinidade e em parte por causa das dificuldades e perigos a actividade
clandestina tornou-se a melhor escola de formação de quadros políticos duros,
dedicados e radicais. Os excessos do regime destruíram toda a possibilidade de
reformas que, melhorando um pouco as condições, podia ter assegurado os
principais interesses coloniais contra um ataque serio, ao menos por algum
tempo.
As
primeiras tentativas de criar um movimento nacionalista radical ao nível de
todo o país foram feitas por moçambicanos residentes nos países vizinhos, onde
estavam ao abrigo da alçada imediata da PIDE. Ao princípio, o velho problema de
más comunicações levou à criação de três movimentos separados׃
UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique), formada em Salisbury em
1960, MANU (Mozambique African National Union), constituída em 1961 a partir de
vários pequenos grupos que existiam de Moçambicanos que trabalhavam no
Tanganica e no Quénia, sendo um dos maiores a União Maconde de Moçambique,
UNAMI (União Africana de Moçambique Independente), iniciado por exilados da
região de Tete e residentes no Malawi.
O
acesso de muitas antigas colónias à independência no fim dos anos cinquenta e
no principio dos anos sessenta favoreceu a formação de movimentos no exilo e,
para Moçambique, a independência de Tanganica, em 1961, pareceu abrir novos
caminhos. Os três movimentos tinham centros separados em Dar es-Salam, pouco
tempo depois.
Em
1961, também, uma intensificação da repressão em todos os territórios português
na sequência da revolta em Angola provocou a afluência de refugiados aos países
vizinhos, especialmente em Tanganica (actual Tanzânia). Estes exilados recentes
do interior, muitos dos quais não pertenciam ainda a qualquer das organizações
existentes, exerceram forte pressão no sentido da formação dum só corpo unido.
Houve condições externas que também favoreceram a unidade׃ a Conferencia das Organizações
Nacionalistas dos Territórios Portugueses (CONCP), reunida em Casablanca em
1961, e na qual tomou parte a UDENAMO, foi uma forte chamada à união dos
movimentos nacionalistas contra o colonialismo português. Uma conferência de
todos os movimentos nacionalistas, convocada pelo presidente do Ghana, Kwame
Nkurumah, também estimulou a formação de frentes unidas, e no Tanganica, o
presidente Nyerere exerceu influência pessoal sobre os movimentos formados no
território para que se unissem. Assim, em 25 de Junho de 1962, os três
movimentos em Dar es-Salam juntaram-se para formarem a Frente de Libertação de
Moçambique, e fizeram-se preparativos para a realização de uma conferência no
mês de Setembro seguinte, em que se definiram os fins da Frente e se elaborou
um programa de acção.
Para
terminar esse nosso apontamento, deixamos um breve relato de alguns dentre os
chefes do novo movimento que mostra como as mais variadas organizações
políticas e parapoliticas de todo o país contribuiu para ele׃
o vice-presidente, reverendo Uria Simango, era um pastor protestante da região
da Beira que tinha trabalhado muito nas associações de resistência mútua e era
chefe da UDENAMO. Da mesma associação de assistência mútua veio Silvério Nungu,
mais tarde secretario da Administração, e Samuel Dhlakama, membro do Comité Central.
Das cooperativas camponesas do Norte de Moçambique veio Lazaro Kavandame, mais
tarde secretário provincial de Cabo Delegado, e também Jonas Namashulua e
outros. Das associações de assistência mútua de Lourenço Marques e do Xai-Xai,
no Sul de Moçambique, vieram Mateus Muthemba e Shaffrudin M.Khan, este ultimo
veio a ser representante no Cairo e depois representante da FRELIMO nos Estados
Unidos. Marcelino dos Santos, mais tarde secretário dos Assuntos Externos e
depois secretario do Departamento de Assuntos Políticos, poeta de fama mundial,
teve grande actividade no movimento literário de Lourenço Marques e passou
alguns anos de exilo em França.